Papel do professor: instruir
ou educar?
Teoricamente, o papel do professor é ensinar e o papel do aluno é estudar. Mas na prática, sobre a realidade de cada indivíduo pairam diversas cobranças, como por exemplo, a criatividade, a profissionalização, a inserção social, a autonomia, a responsabilidade, a competência, entre outros. Além destas cobranças, os alunos estão expostos a diversos fantasmas, como por exemplo, as DST, a violência, as drogas, a marginalidade, a gravidez precoce, entre outros.
Diante da complexidade em que os sujeitos estão inseridos, o papel do professor por sua vez, também adquire um caráter mais profundo do que apenas transmitir conhecimentos. A profissão docente adquire duas dimensões: instruir e educar.
Instruir, refere-se ao processo de ensino-aprendizagem, envolvendo o ato de transmitir os conteúdos necessários à formação intelectual do sujeito.
Educar, refere-se ao processo de formação humana, envolvendo profundas transformações no sujeito, envolvendo os campos da ética, da consciência crítica, da filosofia, da antropologia e etc.
Segundo Coll, tão importante quanto ensinar fatos e conceitos, é preciso ensinar normas, procedimentos, atitudes, valores. Tudo isso faz parte da formação humana do sujeito.
Como conciliar o ato de instruir com o de educar? Certamente essa questão é dicotômica, porém o docente deve pensar em uma dialética, em uma forma de convivência dessas duas instâncias, para conseguir unir estes dois papéis importantes para uma efetiva educação e formação do sujeito como um todo.
Georges Gusdorf, autor clássico da educação, na década de 60 trouxe uma questão fundamental, que ainda hoje vale a pena refletir: “Será que a educação deve se submeter ao ensino, ou o ensino deve se submeter à educação?”
Analisando esta questão, observa-se que quando a educação se submete ao ensino, prioriza-se o que Paulo Freire chamava de concepção bancária, onde os conteúdos são priorizados e a formação intelectual do sujeito é mais valorizada que a formação moral, ética e humana.
Quando o ensino se submete à educação, temos um projeto pedagógico que é central e os saberes, ou seja, os conteúdos giram em torno do projeto que prioriza a formação do sujeito como um todo.
“A pedagogia real situa-se para além dos limites e da intenção de qualquer disciplina.”
Georges Gudorf
Este trecho retirado da introdução dos Parâmetros Curriculares Nacionais, ilustra bem a importância dos projetos serem enfatizados e os conteúdos permearem esse processo de formação do sujeito, com o objetivo de desenvolvê-lo não somente intelectualmente, mas como um cidadão crítico, ético e consciente do seu papel na humanidade.
“A importância dada os conteúdos revela um compromisso da instituição escolar em garantir o acesso aos saberes elaborados socialmente, pois estes se constituem como instrumentos para o desenvolvimento, a socialização, o exercício da cidadania democrática e a atuação no sentido de refutar ou reformular as deformações dos conhecimentos, as imposições de crenças dogmáticas e a petrificação de valores. Os conteúdos escolares que são ensinados devem, portanto, estar em consonância com as questões sociais que marcam cada momento histórico.
Isso requer que a escola seja um espaço de formação e informação, em que a aprendizagem de conteúdos, deve necessariamente favorecer a inserção do aluno no dia a dia das questões sociais marcantes em um universo de cultura maior.”
(Parâmetros curriculares Nacionais- Introdução)
Como garantir o equilíbrio entre as dimensões pedagógicas e educacionais?
Escola à Sociedade (A escola deve estar em consonância com a comunidade escolar. O Projeto Político Pedagógico (PPP) deve nortear o trabalho de todo o corpo docente.)
Ação docente à Projetos (Uma prática diária, a sintonia entre pequenas ações cotidianas relacionadas ao projeto e aos objetivos que a escola almeja alcançar.)
Interessante ler (para acrescentar esta reflexão a cerca da relação dicotômica entre ensinar e instruir) este trecho da entrevista do Alfonso López Quintás:
ResponderExcluir"Uma das maiores dificuldades para orientar bem a sociedade é que não se pensa com clareza, com justeza. Os professores de filosofia não pensam, os jornalistas não pensam, os que formam a opinião pública não pensam e, por conseguinte, não podemos esperar que as crianças pensem, que os jovens pensem, que as donas de casa pensem."
É difícil desarraigar de velhos hábitos, como por exemplo a tendência de priorizar os conteúdos, transmiti-los e depois verificar a "aprendizagem" por meio da avaliação.
Nos dias atuais, em que tudo se processa vertiginosamente, em que mudanças de padrões de comportamento e pensamento são exigidas para adequar-se às novas exigências deste mundo globalizado, onde os indivíduos não mais devem se preocupar com seu espaço restrito de convivência e sim serem cidadãos do mundo, faz-se necessário ensinar a pensar, a refletir, a ter consciência crítica de tudo que os cerca.
Basta lembrar-se da recente queda de Mubarak do poder no Egito: o povo, que cansou de tanta exploração, através da criticidade e reflexão sobre o seu meio, organizou-se democraticamente, utilizou recursos midiáticos como o Twitter e propagou uma verdadeira revolução, totalmente pautada na pacificidade e desejo comunitário.
Bonito de se ver, de se ler nas manchetes dos jornais. É esse tipo de cidadão que nós professores queremos ajudar a formar. Sujeitos pacíficos, éticos, conscientes, críticos, comprometidos com a sociedade e com o mundo ao qual pertencem.
E quem sabe a utopia não se torna realidade?