Fichamento

Temas transversais e a estratégia de projetos
Ulisses Araújo

“Dizem que é mais difícil do que adquirir novos conhecimentos é conseguir desprender-se dos velhos. Abandonar uma ideia supõe renunciar a uma parte do nosso pensamento- daquele que consideramos verdade durante muito tempo- e deixar-se fascinar pelo insólito. É nesta capacidade de fascinação que reside o gérmen do progresso.”
(Moreno et al, 1999)

1-Origem das disciplinas
Pág. 7-12
O filósofo francês René Descartes estruturou o conhecimento em um “método”, depois chamado de científico. O pressuposto adotado foi o de que, se entendendo as partes, entender-se-ia o todo. Denominamos de “método cartesiano”.
Edgar Morin afirma que os desenvolvimentos disciplinares trouxeram a vantagem da divisão do trabalho e da produção de novos conhecimentos, mas trouxeram também inconvenientes da superespecialização, do confinamento, da ignorância e da cegueira.
O desenvolvimento do “método científico” e a especialização disciplinar permitiram ao ser humano tentar dominar e controlar a natureza, e foram eficazes para o progresso científico dos séculos XVIII, XIX e XX, a superespecialização gerou ignorância e cegueira ao não considerar a complexidade que caracteriza os fenômenos da natureza. De acordo com Morin, tal forma de ver a realidade constitui um “paradigma de simplificação”, cujos princípios são a disjunção, a redução e a abstração.
O modelo de escola tal como conhecemos hoje, é coerente com a disjunção do objeto do conhecimento propiciado pelo pensamento cartesiano.
Pág. 15-17
Se por um lado reconhecemos que o emprego de metáforas e formalizações tem um papel importante para o estudo e a compreensão da realidade, por outro lado, não podemos perder de vista que tais instrumentos não são a realidade, como às vezes deixa-se transparecer. Nesse sentido, deveriam ser empregados apenas quando a experiência real não for possível.
Junto da formalização do conhecimento, o pensamento simplificante promoveu o distanciamento dos sujeitos de sua realidade e isso faz com que a educação formal esteja desconectada das reais necessidades, dos interesses e dos desejos dos alunos.
Pode-se perceber que a educação atual encontra-se alicerçada em uma forma simples de compreensão da realidade, pautada em princípios de disjunção, redução e abstração.

Pág.19-21
A circulação de conceitos, as interferências entre várias disciplinas em campos policompetentes, e a busca por novas explicações para os fenômenos da vida humana e da natureza acabam por quebrar o isolamento das disciplinas. Daí surgem novos termos para definir esse novo paradigma.
O primeiro que podemos conceituar é o “interdisciplinaridade”. Como a própria palavra diz, interdisciplinar refere-se àquilo que é comum a duas ou mais disciplinas ou campos de conhecimento.
Nas escolas, isso é bastante frequente quando professores de áreas distintas escolhem um tema em comum para desenvolver um projeto, mas não conversam entre si.
A multidisciplinaridade ocorre quando um determinado fenômeno a ser analisado solicita o aporte de vários especialistas de diferentes disciplinas para explica-lo, ou para tentar resolver o problema.
De acordo com Gallo (1999, p.26), a transdisciplinaridade pressupõe a integração global de varias ciências, tendo como característica uma concepção holista² de sistemas de totalidade em que não há fronteiras sólidas entre as disciplinas.
2- Os caminhos da Transversalidade
Pág.26-35
Existe um questionamento recente que vem suplantando as formas “puras” de tais perspectivas: a falta de contextualização da ciência e da cultura ao não tratar de temáticas que atendam efetivamente aos interesses da maioria das pessoas.
Por detrás dessa discussão, existem princípios de democracia, de busca de igualdade de direitos e de oportunidades para todos os seres humanos, de respeito pelas diferenças, além da problematização sobre quais devem ser os conteúdos que as instituições escolares deveriam ensinar. Afinal, os temas que são objeto de investigação por parte das diversas áreas de ciência e da produção do conhecimento e de cultura atendem os interesses de quem?
Os avanços paradigmáticos da ciência podem não ser suficientes para a democracia e para a construção de sociedades mais justas.
Como a palavra nos leva a entender, a “transversalidade” relaciona-se a temáticas que atravessam, que pressupõe os diferentes campos do conhecimento, como se estivessem em uma outra dimensão. Tais temáticas devem estar atreladas à melhoria da sociedade e da humanidade, e por isso, abarcam temas e conflitos vividos pelas pessoas em seu dia-a-dia.
Objetivos da educação
Os dois objetivos centrais da educação, os dois eixos indissociáveis em torno dos quais giram, ou deveriam girar, as propostas educacionais: a instrução e a formação ética.
O primeiro eixo, a instrução trata daqueles conhecimentos construídos ao longo do tempo historicamente pela humanidade e que cada cultura decide transmitir às futuras gerações.  
O segundo eixo trata da “formação ética”, da busca do desenvolvimento de alguns aspectos que deem aos jovens e às crianças as condições físicas, psíquicas, cognitivas e culturais necessárias para uma vida pessoal digna e saudável, como cidadão crítico e atuante.
Precisamos almejar a formação e a construção do que Puig (1998) chama de “ personalidades morais” e que eu entendo como pessoas que buscam virtuosamente a felicidade e o Bem (pessoal e coletivo) e que constroem sua personalidade e a excelência ética a partir de determinados valores e virtudes desejados pela cultura que vivem.
Surge então, o desafio: se entendemos que a escola deve assumir essa responsabilidade, como fazê-lo?
Em primeiro lugar, repensando os tempos, os espaços, os conteúdos, os métodos e as formas das relações interpessoais.
Os temas transversais
Pág.36-37
Temas transversais são temáticas específicas relacionadas à vida cotidiana da comunidade, à vida das pessoas, suas necessidades e seus interesses.
De acordo com Puig e Martin (1998) esses temas:
*Supõe uma aposta clara por uma educação em valores e buscam dar resposta aos problemas prioritários ou preocupantes para a sociedade.
*Temas e problemas sociais, o que lhes dá um caráter dinâmico e aberto às transformações sociais e à aparição de novas possibilidades criticas.
O caminho construtivista
Pág.41-46
O construtivismo, na perspectiva do epistemólogo suíço Jean Piaget, recusa tanto as teorias aprioristas de que as estruturas de conhecimentos já estão na bagagem hereditária dos sujeitos quanto as teses empiristas de um ser que conhece o mundo a partir dos sentidos, pela pressão dos meios físico e social sobre ele. No construtivismo o conhecimento não está no sujeito nem no objeto- é resultado da ação do sujeito sobre os objetos do conhecimento. Portanto o conhecimento é intransferível, construído nas ações do ser humano sobre o mundo em que se vive.
A construção dos conhecimentos, na forma que conhecemos, pressupõe um sujeito ativo, que participa de maneira intensa e reflexiva das aulas.
Assumir o construtivismo como uma aventura do conhecimento pressupõe dar voz aos estudantes, promover o diálogo, incitar-lhes a curiosidade e a questionar o cotidiano e os conhecimentos científicos e, acima de tudo, dar-lhes condições para que encontrem as respostas para suas próprias perguntas.
3. O ensino transversal
Pág. 47-65
“A transversalidade exige uma intervenção educativa dirigida a superar as visões parciais e limitadas que abordam os fatos desde uma única disciplina. A complexidade da maioria dos fenômenos sociais torna imprescindível um novo olhar e uma nova forma de interpretação, transformando as visões tradicionais do mundo em outras mais globais, respeitosas e solidárias.”
(Puig e Martin, 1998) 

Concepção 1- As disciplinas são o eixo vertebrador do sistema educacional e as temáticas transversais a atravessam através de atividades pontuais, de disciplinas extras ou palestras sobre alguns temas, projetos interdisciplinares, etc.
Do ponto de vista epistemológico o ensino e os seus docentes continuam centralizados nas mãos dos docentes. Não existe maior espaço para trabalhos de autoria dos alunos. Na verdade, o modelo presente determina que os professores é que são responsáveis pela formação dos seus alunos, definindo o que precisam conhecer e interpretar o mundo, sobrando assim pouco espaço para a autoria do conhecimento e para a aventura intelectual.
Concepção 2- As temáticas transversais são o eixo vertebrador do sistema educacional, sua própria finalidade.
As temáticas que objetivam a educação em valores, que tentam responder aos problemas sociais e conectar a escola com a vida das pessoas, viram o eixo vertebrador do sistema educativo em torno do qual serão trabalhados os conteúdos curriculares tradicionais.
Essa concepção, pressupõe uma maneira totalmente diferente de encarar o ensino. O eixo de formação ética para a cidadania passa a ser a principal finalidade da educação. A educação em valores, a preocupação com o ensino de formas dialógicas e democráticas de resolução dos conflitos cotidianos e dos problemas sociais e a busca de articulação entre os conhecimentos populares e os científicos dão um novo sentido à escola.
Os projetos como estratégia pedagógica
Pág. 66-70
A introdução do trabalho com projetos como estratégia pedagógica permite articular os conhecimentos científicos e os saberes populares e cotidianos, propiciando condições para que os conhecimentos científicos sejam respondidos à luz das curiosidade dos alunos, de suas necessidades e dos interesses cotidianos; e colocar os sujeitos da educação no centro do processo educativo, na tentativa de responder aos problemas sociais.
De acordo com Hernández (1998, p. 72), citando Bruner, os projetos podem ser uma peça central do que seria a filosofia construtivista na sala de aula. “Aprender a pensar, criticamente requer dar significados à informação, analisá-la, sintetizá-la, planejar ações, resolver problemas, criar novos materiais ou idéias (...) e envolver-se mais na tarefa de aprendizagem.”

4- O conhecimento em rede e os princípios de transversalidade
Pág. 71-75
A proposta de ensino transversalidade pressupõe uma outra organização da estrutura escolar, repensando seus tempos, espaços, conteúdos, relações interpessoais; e, principalmente, uma mudança nos papeis docentes e discente. Enfim, torna-se necessário repensar as bases epistemológicas e metodológicas da educação.
O desafio atual está em encontrar novos modelos de organização escolar que sejam compatíveis com os avanços nos campos da ciência e da cultura, procurando caminhos que tirem, afinal o ensino escolar das amarras estabelecidas no século XIX.
Isso significa romper, por exemplo, a superespecialização; a fragmentação radical dos conhecimentos; certas hierarquias estabelecidas no currículo; a visão empirista de que aos professores compete ensinar e aos alunos aprender (no máximo interpretar a realidade); a descontextualização entre os conteúdos científicos e os saberes populares; o autoritarismo nas relações escolares que impede a construção da autonomia intelectual e moral dos estudantes.
O conhecimento em rede
Pág. 76-80
Machado entende que a idéia de rede como metáfora para a representação do conhecimento possui, como material constitutivo da teia de relações, as significações. De forma resumida, afirma:
*Compreender é apreender o significado.
*Apreender o significado de um objeto ou de um acontecimento é vê-lo em suas relações com outros objetos ou acontecimentos.
*Os significados constituem, pois, feixes de relações .
*As relações entretecem-se, articulam-se em teias, em redes construídas social e individualmente e em permanente estado de atualização.
*Em ambos os níveis –individual e social- a idéia de conhecer se assemelha à de enredar.
“Imaginemos um diagrama em rede, desenhado num espaço de representação. Ele é formado, num dado instante (...) por uma pluralidade de pontos (extremos) ligados por uma pluralidade de ramificações (caminhos) (...) Por definição, nenhum ponto é privilegiado em relação a um outro, nem univocamente subordinado a qualquer um (...) o mesmo se passa com os caminhos(...)”
Machado, 1995, p.138
Uma outra característica da rede, apontada por Machado (p. 140), é que ela “(...) contrapõe-se diretamente à idéia de cadeia, de encadeamento lógico, de ordenação necessária, de linearidade na construção do conhecimento, com as determinações pedagógicas relacionadas com os pré-requisitos, as seriações, os planejamentos e as avaliações.”
A rede e o projeto como estratégia pedagógica
Pág. 80-91
1) O projeto, e a construção da rede, começa com a definição do tema. O tema do projeto deve estar relacionado a alguma temática transversal e, geralmente adotado nos trabalhos que oriento, relacionados à Declaração Universal dos Direitos Humanos.
2) Dividir a turma em grupos, para que estes decidam o que gostariam de saber sobre o tema escolhido. O papel de cada um dos grupos é elaborar uma pergunta que comporá a “rede” do projeto.
3) O docente acrescenta na rede todas as disciplinas que pretende trabalhar no projeto e também os conteúdos específicos dessas disciplinas.

Como já dito anteriormente, o curso dos acontecimentos é definido pelos caminhos, pelos fios que vão tecendo a rede.


Considerações finais
Pág. 91-92
Trazer para o cotidiano das salas de aula e dos projetos políticos pedagógicos  das escolas a preocupação com a educação em valores, com a busca de solução para os problemas sociais, bem como a tentativa de ligação dos conteúdos científicos e culturais com a vida das pessoas, é o que chamamos de “transversalidade”. Sua implementação efetiva solicita uma decisão política e pessoal dos agentes envolvidos na educação, mas seus pressupostos serão mais facilmente atingidos se a prática cotidiana for imbuída dos princípios dos sujeitos da educação nos processos de construção dos conhecimentos.
A estratégia de projetos, pela abertura que dá as incertezas e indeterminações do trabalho pedagógico, é um caminho promissor para a transformação dos tempos, dos espaços e das relações interpessoais dentro da sala de aula.
(...) Enfim...que juntos possam trilhar os árduos caminhos da construção de uma sociedade mais justa, solidária e feliz.